Não é novidade para ninguém o quanto J. K. Rowling é ativa em seu Twitter, respondendo perguntas de fãs, compartilhando fotos e principalmente revelando novidades acerca do mundo e personagens de Harry Potter.
Seu talento é inquestionável, J. K. Rowling trouxe muitos jovens para o prazer da leitura, introduzindo-os hobby. Mesmo os adultos adoram seu universo, se identificam com personagens e histórias. ,Mesmo assim, é preciso dizer que a autora, às vezes, “perde a mão”, e faz mudanças ou libera informações desnecessárias, que servem apenas para alvoroçar os fãs e gerar polêmica, como se estivesse aproveitando algum hype para manter-se relevante. O que certamente ela não precisa.
Garanto que você, a essa altura do campeonato, já sabe de muitas delas e eu nem precisaria detalhar tais comentários da autora. Contudo, gostaria de mencionar alguns pontos e refletir o quanto isso pode “machucar a obra” desnecessariamente.
Quando foi anunciada a peça: A Criança Amaldiçoada, e revelado que Hermione seria negra, a internet ficou alvoroçada, e essa foi a resposta de Rowling, no Twitter:
“Cânone: olhos castanhos, cabelo crespo e muita inteligência.
Pele branca nunca foi especificada. Rowling ama a Hermione negra”.
Resumindo o comentário da autora: ela disse que nunca especificou se Hermione era branca ou negra. Ok, realmente nunca o fez mesmo, contudo, eu poderia dizer que na mente dela existia uma Hermione “verdadeira” e olhando para essa mensagem, posso deduzir que é uma Hermione negra, e isso não tem problema algum. Mas vamos pensar mais um pouco: desde sempre a personagem foi representada como branca, nas ilustrações oficiais e nos filmes, e a autora nunca se pronunciou a respeito, nunca deu uma opinião sobre o que ela achava disso tudo, simplesmente deixou a coisa rolar e acontecer, e quando foi oportuno, lacrou com essa resposta do tweet. Se Rowling aceitou Emma Watson como Hermione, ela de alguma forma confirmou (ou aceitou) que a personagem era branca (Fonte aqui). Grosso modo isso é verdade, mesmo sob o argumento de que a autora veio conhecer pessoalmente a atriz depois de contratada. Contudo, não podemos nos esquecer das ilustrações oficiais, das quais já mencionei, naquele momento ela já aceitara a etnia da personagem.
Estamos falando de anos, décadas que a obra se consolidou e se popularizou de uma forma gigantesca. Os personagens tornaram-se públicos demais e, mesmo que ela seja a detentora dos direitos e a grande criadora de tudo, não pode sair passando a borracha em algumas coisas e escrevendo por cima. O escritor PRECISA respeitar suas próprias regras. E para essa ideia, deixo algumas passagens como reflexão (Fonte: O Guia Completo do Storytelling; autor: Fernando Palacios e Martha Terenzzo; introdução, tópico IV. Por que ler este livro?; editora: Alta Books):
“[…] toda marca é comunitária e não pertence somente à empresa, mas sim a todos os seus públicos de interesse”.
“[…] editoras, estúdios de cinema, canais de TV, casas de show, as obras que veiculam e seus autores, são todos considerados marcas. Todo livro de ficção compete por espaço nas livrarias e todo filme concorre por número de salas de exibição”.
“O Storytelling no atual contexto entra como um elemento que pode ajudar a disseminar uma ideia, construir uma marca ou alavancar vendas com mais eficiência, conquistando o público pela emoção”.
Sobre inclusão
Ser inclusivo é você criar a personagem (ou a obra que seja) com o intuito de representar a realidade que aquele indivíduo vive. Agora me diga, a Hermione viveu as dificuldades de uma pessoa negra? Representou alguma coisa relacionada à cultura deles? É muito fácil agir como Rowling fez, apenas mudando a “paleta” de cores na cabeça das pessoas. Estamos falando de um universo bruxo rico e diversificado. Vejo uma oportunidade perdida de representar e incluir toda uma comunidade num conceito totalmente diferente dos livros e filmes que conhecemos até agora.
Tenho acompanhado um pouco da saga Renascimento, do universo DC. Deparei-me com um Superman chinês, pensei: “opa! Temos uma novidade aqui”. E realmente foi algo que gostei de ver, usaram a engrenagem criativa para algo útil. Temos um novo Superman, e não precisamos voltar e passar a borracha por cima de Clark Kent, simplesmente dizendo que agora ele é chinês e pronto. Criaram um novo personagem para isso, alguém do zero, e o inseriram dentro do contexto correto. Hoje, temos: Clark Kent, como o clássico Superman, e Kenan Kong, o Novo Superman.
Eu reprovo qualquer tipo de retcon.
Em seguida, deixo alguns tweets que demonstra o quanto algumas pessoas questionaram essa mudança sobre a Hermione, e um trecho do terceiro livro da saga Harry Potter, onde um dos leitores argumentou ter encontrado uma passagem que dizia que Hermione era branca, texto esse que divide opiniões.
“Ainda assim você se incomodou em especificar a raça da Angelina Johnson.
Sempre que a raça não era especificada, o leitor assumia que eles eram brancos.”
“Eu não tenho problema algum com a seleção… mas pare de mentir
para as pessoas que você aprovou cada ilustração em cada livro a raça foi definida”
“A face pálida de Hermione estava saindo por trás de uma árvore.”
“MAS ela é especificada como branca em
Prisioneiro de Azkaban, então qual é a verdade?”
“pessoalmente não me importo se eles escolhem Hermione
como negra, mas Rowling se refera a ela como “face pálida”.
Alvo Dumbledore
Agora entraremos em outro assunto polêmico, prometo que é o último, logo depois deixo minha conclusão.
Durante um evento, em 2007, Rowling revelou que Alvo Dumbledore era gay. E qual o problema disso? Nenhum! Ele ser gay não altera em nada a jornada de Harry Potter. Salve apenas um detalhe, como todos os outros: nada no livro indicava algo sobre sua sexualidade.
Ao ler toda a saga de Harry Potter, não é mencionada a orientação sexual do grande bruxo. Será que as pessoas deduziam sua homossexualidade por sua aproximação e forte amizade com Grindelwald? Talvez sim, talvez não. Na época, quando esses rumores não existiam, ouvi pessoas desconfiarem que eles pudessem ser irmãos. Teorias eram formadas, pois não tínhamos a obra completa em mãos.
Fico me perguntando: por que revelar uma informação dessas, completamente fora do contexto, num evento? Se a intenção dela era criar um personagem gay, por que não desenvolveu isso dentro dos livros, deixando tudo mais claro? Se fosse importante, deveria ter se aprofundado mais. Agora, se isso não era importante, então não havia motivos para mencionar, tanto dentro como fora da obra.
O único sentido que vejo nisso tudo, é Rowling beneficiando-se sobre rumores acerca da sexualidade de Dumbledore e aproveitando a oportunidade para dizer: “é isso mesmo!”. É só falar que é e pronto, vira cânone.
Como escritor, discordo completamente dessas mudanças que Rowling, vez e outra, faz em seu universo, via Twitter ou evento. Uma coisa é você manter o universo ativo e crescendo, adicionando informações e não mudando coisas que ficaram no passado.
A partir do momento que você altera alguma coisa na obra e ela continua harmoniosa, é porque aquela parte estava sobrando, ou seja, não é necessária. Hoje, transformar Hermione em uma personagem negra, ou Dumbledore em gay, não altera em nada a mitologia Harry Potter, logo, é um anexo desnecessário.
Quando falamos de personagens, estamos falando de quem coloca a história para andar, ação. A personagem deve ser bem trabalhada, deve-se gastar muito tempo construindo esse indivíduo literário. O que esse ser faz dentro da história, naquele mundo, vai definir e revelar quem ele é. Não concordo que um tweet venha definir alguma coisa sobre os personagens “x” anos depois. Ou você define isso na construção deles, quando se está escrevendo o livro, ou então você falha tentando corrigir depois.
Como escritores, não devemos apenas falar: “Fulano 1 é gay”, “fulano 2 é bandido”, “fulano 3 é louco”. Devemos demonstrar isso em ações, contexto, coisas acontecendo. E não apenas em diálogos. É aquela velha regra: Mostre, não conte.
E tudo o que J. K. Rowling tem feito é contar, e o pior, fora das páginas do livro. Se você tiver curiosidade, você encontrará muito mais revelações sobre as mudanças que ela faz no universo dos bruxos.
Como bônus, deixo o link para esse vídeo de humor, que representa muito bem o contexto que quero dar a toda essa ideia. Espero que gostem: https://goo.gl/82HJcp
Texto do Prof. Raphael Albuquerque